Escolas Vivas: educação indígena que protege cultura, território e memória

Em um país que abriga mais de 300 povos indígenas e preserva 274 línguas vivas, mas onde apenas uma pequena parte das escolas consegue oferecer currículos alinhados às culturas originárias, surge uma resposta concreta às falhas históricas do sistema educacional brasileiro: as Escolas Vivas.

Criado pela Associação Selvagem e coordenado por Cristine Takuá, o movimento apoia cinco territórios indígenas ao garantir autonomia das comunidades e fortalecer línguas, saberes tradicionais e modos de vida que há séculos sustentam culturas nos territórios.

O Brasil conta com mais de três mil escolas indígenas reconhecidas oficialmente, mas a maioria enfrenta problemas como falta de infraestrutura, carência de professores bilíngues e ausência de materiais pedagógicos específicos. Nesse cenário, as Escolas Vivas oferecem um contraponto: cada unidade recebe R$ 8 mil mensais em repasses diretos, além de materiais didáticos próprios e a possibilidade dos estudantes praticarem suas línguas nativas. Só em 2024, o projeto impactou mais de 4.500 pessoas em diferentes territórios.

Rede de saberes vivos

Na Terra Indígena Ribeirão Silveira, no litoral paulista, a Mbya Arandu Porã – Escola Viva Guarani, coordenada por Carlos Papá, revitaliza a língua Guarani e integra práticas ancestrais à agrofloresta e ao cultivo de abelhas nativas. Jovens encontram na escola espaço para cantar, desenhar e aprender com os mais velhos.

Em Teófilo Otoni (MG), a Apne Ixkot Hâmhipak – Escola Viva Maxakali, coordenada por Sueli e Isael Maxakali, reúne 327 pessoas em um projeto que articula reflorestamento, oficinas culturais e encontros de pajés. Os Maxakali, cerca de três mil pessoas, resistem em território fragmentado desde o avanço da agropecuária nos séculos XIX e XX, preservando sua língua – uma das últimas nativas de Minas Gerais e Bahia.

No Acre, a Shubu Hiwea – Escola Viva Huni Kuï, conduzida pelo pajé Dua Busë e por Netë, beneficia cerca de três mil pessoas na Terra Indígena do Rio Jordão. Além do Parque União da Medicina, dedicado ao cultivo de plantas de cura tradicional, a escola mantém oficinas de tecelagem, nas quais mulheres transmitem os kenês, grafismos sagrados que carregam histórias ancestrais em cada traço.

No Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), a Wanheke Ipanana Wha Walimanai – Escola Viva Baniwa, ou “Casa de Conhecimento da Nova Geração”, coordenada por Francy e Francisco Fontes Baniwa, beneficia 90 famílias em sete comunidades do rio Içana. Ali, o cotidiano – banho no rio, plantio da roça, cantos e rituais – integra o aprendizado. O povo Baniwa, ou Medzeniakonai, possui três mil anos de história cultural e fala Baniwa, Koripako e Nheengatu.

Em Manaus, o Bahserikowi – Escola Viva Tukano-Dessano-Tuyuka é o primeiro Centro de Medicina Indígena do Amazonas, coordenado por João Paulo Tukano e Ivan Tukano. Atende cerca de mil pessoas por ano com benzimentos e plantas medicinais, mantendo parcerias com a OPAS, a SESAI e a Fiocruz, além de receber turmas da Universidade Federal do Amazonas para intercâmbio entre saberes indígenas e científicos.

Impactos e expansão

Em outubro, a residência Casa Escola Viva, realizada pela Selvagem no MAM Rio, reuniu dez artistas indígenas da Amazônia e da Mata Atlântica em criação coletiva e intercâmbio de saberes. Como desdobramento, está prevista para o primeiro semestre de 2026 uma exposição no Instituto Tomie Ohtake, ampliando a circulação dessas criações e o debate sobre arte indígena e proteção de saberes tradicionais.

Em 2024, as Escolas Vivas realizaram mais de 54 oficinas e 6 passeios educativos, envolvendo crianças, jovens e mestres em experiências interculturais. No Rio de Janeiro, a parceria com a Escola Municipal Professor Escragnolle Dória levou práticas indígenas para 440 crianças e 20 professores.

Os Diários de Aprendizagens, escritos por Cristine Takuá e Veronica Pinheiro e traduzidos para o inglês, ampliam o alcance internacional do projeto. Cristine participou de debates globais sobre educação indígena em palcos como o Kunstenfestivaldesarts (Bélgica), o Skábmagovat Indigenous Film Festival (Finlândia) e conferências em Harvard (EUA).

Atualmente, a Selvagem articula a criação de uma sexta Escola Viva, junto ao povo Potiguara, no Nordeste.

+ Fundada por Anna Dantes e co-fundada por Ailton Krenak, a Selvagem é uma organização não governamental que desde 2018 se dedica a estudar, compartilhar e apoiar saberes indígenas, compondo diálogos entre ciências e artes. Suas ações garantem repasses diretos às Escolas Vivas e criam iniciativas conjuntas, imaginando posturas regenerativas e não destrutivas de estar no mundo.

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